domingo, 30 de novembro de 2008

Mais amor

Na reza adicional de Rosh Chodesh (mussaf do início do mês), nós dizemos. "Rashei Chodashim leamcha natata, zman kapará lechol toldotam, bihiotam makrivim lefanecha zivchei ratzon" ("Você [D-us] deu rashei chodashim para o seu povo. Um período apropriado para a expiação dos pecados de seus descendentes. Quando eles sacrificaram perante Você os seus sacrifícios".

Mas "Mipnei chataenu galinu meartzenu" ("Graças aos nossos pecados, fomos expulsos de nossa terra"). Portanto hoje em dia nós não temos mais nosso Bet Hamikdash (Templo), nem um altar aonde possamos fazer os sacrifícios, e a reza de mussaf que nós fazemos no Rosh Chodesh é um pálido substituto dos sacrifícios. Os nossos sábios explicam que o segundo Templo foi destruído pelo ódio gratuito (sinat chinam) e que o terceiro só será reconstruído através de amor gratuito (ahavat chinam). Toda geração que não tem o privilégio de ver o terceiro Templo reconstruído equivale a geração na qual o segundo Templo foi destruído. Ou seja, se nós ainda não temos o Bet HaMikdash hoje em dia, é porque ainda sofremos da mesma doença que destruiu o anterior há 2000 anos: o ódio gratuito.

E numa realidade imperfeita como a nossa, quando não existem sacrifícios que possam expiar os nossos pecados, são os judeus mais puros que assumem o papel do "bode expiatório" (o bode que era sacrificado no Templo em todas as festas e nos rashei chodashim). Esse foi o segundo Rosh Chodesh em menos de 12 meses que foi regado pelo sangue de yehudim exemplares. Korbanot Tehorot. Em Adar (março), foram os 8 alunos de Merkaz haRav, e sexta feira foram os yehudim do Beit Chabad de Bombai. Um dia alegre tomou um tom trágico e de desespero.

Porém Kislev é o mês de Chánuca. Um mês cujo final dele promete luzes. E se sexta feira pudemos ver um dos piores efeitos colaterais da sinat chinam, nesse shabat eu pude ver um exemplo incrível de ahavat chinam. Passei o shabat em Efrat (uma cidade ao sul de Jerusalém, que foi fundada por judeus que fizeram aliá dos EUA). Foi um shabat organizado para pessoas que passaram ou estão passando por um processo de conversão. Eu junto com mais uns amigos da Yeshivat HaKotel fomos convidados para ajudar a criar uma atmosfera de shabat (com músicas, dança, e algumas palavras de Torá). Nós fomos chamados para dar, mas acabamos recebendo. O rabino responsável pelo instituto, o rav Birenboim, e sua mulher Renana, me mostraram como é possível traduzir em ações práticas o conceito de ahavat chinam. Eles acompanham as pessoas não apenas durante o processo de conversão, mas também depois dele, e cumprem uma das mitzvot mais importantes da Torá: a de respeitar o convertido. Conforme a mulher do rabino explicou: eles fazem o papel de parteiros, e são as próprias pessoas que dão a luz a si próprias, pois converter-se é comparado a um renascimento. Eles são parteiros e a cada parto ganham um irmão.

Talvez se houver mais alguns casais como esse em Bnei Israel, no mês que vem, não nos contentaremos apenas com uma tefilá de mussaf.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Tristeza em Mumbai


Ontem circularam vários e-mails pedindo para que fossem feitas rezas pelo casal de Shlichim que trabalhava há 5 anos no Beit Chabad de Mumbai, na Índia. O motivo: terroristas entraram lá entre outros locais, e fizeram o casal, seu filho que cumpre hoje (28/11) 2 anos e mais 3 a 5 pessoas como reféns. A babá de Moshe, filho do casal, conseguiu escapar com a criança. Fui dormir e acordei com as expectativas de que a operação indiana minimizasse ao máximo a tragédia.
Hoje é Rosh Chodesh Kislev (o primeiro dia do mês em que comemoramos Chanucá), um dia alegre no calendário judaico. Eu esperava ouvir notícias melhores. Ao meio-dia já era possível saber pelos sites dos grandes canais de notícias CNN e BBC que a polícia local encontrou 5 corpos no local, entre eles alguns terroristas. A esperança que o casal estivesse vivo continuou até o momento em que foram confirmadas as mortes do Rav Gabriel Holtzberg Z"L (29) e sua esposa Rivka Z"L (26). A família de Rivka foi hoje de manhã para a Índia junto com as forças de socorro (Zak"a) enviadas por Israel e estão com a criança.
Mais uma página triste na história da humanidade e de Am Israel. O que me parte mais ainda o coração é o fato de esses rabinos do Chabad estarem dispostos a abrir mão de seus confortáveis locais de origem (Gabriel morava em no bairro de Crown Height, NY) e irem para os locais mais fim-de-mundo para trabalhar por um só objetivo: divulgar o orgulho de ser Iehudi, fazendo isso com o maior amor do mundo e ajudando qualquer um que estiver a seu alcance. Quem conhece algum rav Chabad pode afirmar com certeza que eles não seriam diferentes - israelenses viajantes pela Índia confirmam.

Que eles descansem em paz perto de D'us e colham os frutos do trabalho e da vida que viviam com muito amor. Iehi zichram baruch - que suas lembranças sejam abençoadas. Que o mês de Kislev venha com notícias alegres.

iluminar de pouco em pouco

Semana passada lemos a parashá Chaiei Sarah, que começa contando sobre a morte da mulher de Avraham. Um dos outros assuntos abordados é a busca de uma noiva para Itschak, filho de Avraham. Ele manda seu ajudante ir procurar uma mulher para seu filho. Um detalhe interessante é que quando seu ajudante viaja para procurá-la, faz um pit-stop para beber água. Vai para um dos poços com seus 10 camelos, e decide que a mulher que servisse um copo de água a ele e seus camelos - simplesmente isso - seria escolhida para Itschak.

Isso frisa mais uma vez a importância dada pelos judaísmo de pequenos atos que devem ser feitos constantemente. Ouvi uma comparação interessante: postes de iluminação da rua iluminam mais fazem muito melhor às pessoas do que fogos de artíficio. Existem boas ações que fazem muito barulho, saem nos meios de comunicação e parecem ser coisas muito grandiosas. O que a Torah nos fala é justamente o contrário: cuidar de servir e tratar bem as pessoas no dia-a-dia faz muito mais diferença.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

[Livro] Assim nasceu Israel - Lançamento

Dia 29/11, sábado, às 19h45, em Curitiba, será lançado oficialmente o livro "Assim nasceu Israel", de autoria do diplomata guatemalteco Jorge García Granados. Escrito em 1949, só agora traduzido para o português pelo jornalista Szyja Lorber em parceria com a bioquímica Sara Schulman, e é o primeiro relatório detalhado, feito por uma testemunha que viveu o que a Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP) encontrou na Terra Santa, como e porque se decidiu pela partilha e como nasceu Israel. O lançamento acontecerá na Livraria Saraiva do Shopping Crystal Plaza, Rua Comendador Araújo, 731, Batel. Haverá palestras sobre o tema com o jornalista Aroldo Murá Gomes Haygert e com o professor Antonio Carlos Coelho
 
Granados foi o primeiro embaixador da Guatemala em Israel e instalou a embaixada em Jerusalém. Décadas mais tarde, a Guatemala, sob pressão internacional mudou a embaixada para Tel-Aviv.
 
No ano passado, Israel reuniu os descendentes dos representantes latino-americanos que participaram na UNSCOP e da votação da partilha para um evento especial pelos 60 anos da decisão da ONU. Foram recebidos pelo presidente Shimon Peres, inauguraram uma praça e participaram de um almoço no Ministério das Relações Exteriores. O bisneto de Granados foi escolhido para falar em nome dos homenageados. E surpreendeu a todos com uma declaração que dizia que ele "se sentia muito honrado em ser descendente de alguém escolhido por Deus para o ser o instrumento de Sua promessa de dar povo judeu a terra de Israel".

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Entre um ônibus e outro



Me mudei pra Chaifa, mas (graças ao bom D'us) é impossível esquecer Yerushalaim. Por isso, preciso voltar pra cidade das pedras no Shabat. Descobri que exitem algumas linhas de ônibus da Egged (a maior compania de ônibus de Israel), que servem ao consumidor charedi (também conhecidos como ultra-ortodoxos) da cidade de Chaifa. Elas saem diretamente do bairro charedi Vijnitz (com um ponto de ônibus que fica providencialmente próximo ao Technion) e levam à Yerusahalaim, Bnei Brak e Ashdod. Observação interessante: as passagens custam quase 40% a menos que nas linhas convencionais. Isso se deve à lotação dos ônibus e a inexistência de passageiros com direito a descontos na compra de passagens (entre os charedim há menos estudantes universitários, e soldados - esses últimos isentos de pagar qualquer passagem de ônibus).

A suprema corte está ameaçando baixar uma liminar proibindo essas linhas sob o argumento de que elas promovem uma segregação e uma discriminação, pois reduzem o contato entre charedim e não religiosos, que agora nem precisam ter o incômodo de se encontrarem na estaçào de ônibus. (O argumento é válido, mas é óbvio que a suprema corte nunca se daria ao trabalho de proibir uma linha equivalente que servisse a população não religiosa. Ao lado de todo esse discurso repousa um pouco do já sabido sentimento anti-religioso dos juízes da suprema corte).

Enquanto nada é decidido, eu me aproveito dessa associaçào entre as leis de Moshe e a lei da oferta e procura, e promovo a integraçào entre o setor sionista-religioso e o setor charedi. Detalhe interessante: apesar de todo a argumentação sobre segregacionismo e discriminação, peguei um ônibus cujo motorista era árabe, e era conhecido de todos os passageiros com chapéu, capota e peiot, que o cumprimentavam com muito entusiasmo. Parece que a distância entre Mea Shearim e a suprema corte se tornou maior do que a entre Ishmael (árabes) e Itzchak (judeus).

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Voltando às fronteiras


Domingo à noite fui a um casamento em Jerusalém. Muito bonito por sinal. Ambos os noivos eram Olim Chadashim (o noivo do Uruguai e a noiva do Brasil), e a Chupá e a festa foram no kibutz (ou ex-kibutz) de Ramat Rachel. Esse é o bairro mais ao sul de Yerushalaim. A sul dele fica a cidade de Beit Lechem (vulga Belém), onde está enterrada Rachel (que inclusive dá o nome ao kibutz). É verdade que qualquer túmulo antigo emociona um judeu (e quanto mais antigo, mais emociona, em uma função de derivada positiva, crescente e monotônica), mas o Kever Rachel é especial em alguns aspectos.

Naquele lugar as emoções se confundem. Rachel faleceu enquanto dava à luz Biniamin, o único filho de Yaakov que nasceu em Israel – o caçula queridinho por todos os outros irmãos. O pai da tribo em cujo território ficava Yerushalaim e o Beit HaMikdash (templo). Tristeza e esperança ao mesmo tempo. Essas sensações continuam se confundindo nos últimos 60 anos, pois esse kibutz, que hoje em dia floresce e é palco de casamentos, até 1967 ficava na fronteira com a Jordânia e perto do lugar onde foi a Chupá existe uma escultura pelos soldados que caíram nas batalhas travadas em 48 e 67. Enfim é possível misturar as lágrimas de alegria com as de tristeza.

Irmiahu, o profeta, descreve que quando o povo judeu foi levado à diaspora nos dias dos babilônios, eles passaram na frente do túmulo de Rachel, e ela chorava pelos seus filhos que eram levados embora. Porém o profeta não para por aí e avisa a sua mãe: "Que a sua voz pare de chorar e os seus olhos não tenham mais lágrimas. Pois existe um mérito pelas suas ações, e seus filhos voltarão a suas fronteiras" - Veshavu banim ligvulam. Yerushalaim por si só já é um lugar apropriado para casamentos, conforme cantamos em qualquer cerimônia de casamento (seja em Beer Sheva, em Madrid ou em Higienópolis), "Od ishama beharei Yehuda ubechutzot Yerushalaim, kol sasson vekol simchá, kol chatan vekol kalá", mas é difícil imaginar um lugar melhor que Ramat Rachel para um casamento entre dois yehudim que voltaram para as suas fronteiras.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

[Livro] O menino do pijama listrado

Você já parou pra imaginar o que uma criança alemã pensava sobre a segunda guerra mundial? É com base nessa idéia que John Boyne desenvolve a trama do livro: ele narra as conseqüências ao pequeno Bruno da mudança de sua família, da grande Berlim para uma cidade isolada. Lá, Bruno se vê em uma nova rotina, sem seus amigos, mas por outro lado uma série de perguntas surgem sobre a realidade da nova casa. O livro surpreende o leitor diversas vezes com os simples e inocentes comentários de Bruno - como o de achar que prisioneiros de um campo de concentração vestem pijamas listrados.

O livro ganhará um filme - o trailer você pode conferir abaixo - cuja lançamento está previsto para dezembro desse ano (isso nos Estados Unidos...). Recomendo para quem ainda não leu o livro que não veja o site do filme nem o trailer - antes é melhor deixar a imaginação rolar solta através da leitura das 186 páginas do livro.




quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Se não me querem...

Ontem à noite, aqui no Technion, organizaram um encontro dos estudantes religiosos (acho que essa é uma das classificações mais relativas que existem; enfim - um encontro para aqueles que chamam a si mesmos de religiosos). Para abrir a noite o rav Zini, o rabino do campus, deu uma breve introdução histórica sobre a situação religiosa no Technion desde que ele chegou aqui, há 38 anos atrás (na época como um doutorando em matemática). Ele nasceu na França, filho de uma família de rabinos, e se graduou e fez um mestrado em matemática. Quando tinha uns 20 anos decidiu fazer aliá e sua intenção era concluir o doutorado em Israel. Ele mandou cartas para várias instituições, entre elas o Technion. Ele nos contou que na foto que ele anexou a carta ainda não tinha barba. Depois que fez aliá, deixou a barba crescer.

Quando chegou à primeira entrevista com o responsável pelo departamento de matemática do Technion (na época um judeu extremamente anti-religioso), entrou no escritório barbado e de chapéu, e se apresentou como Eliahu Zini. O professor exclamou abismado, com a indignação de alguém que fora enganado: "Mas na foto você não tinha barba!". Após essa cena o rabino tirou a sua conclusão: "Quando eu senti que não era bem vindo, entendi que era meu dever ficar aqui".

Uma regra interessante. Foi devido a ela que hoje em dia existe uma sinagoga e um centro de estudos judaicos aqui no campus. Também foi devido a essa insistência que hoje em dia existem 400 alunos religiosos em uma universidade que antigamente era um território muito hostil a eles. Ainda existem pontos a serem melhorados - por mais que a nova geração aqui em Israel não conserve tantos sentimentos anti-religiosos como a anterior - e muitos professores odeiam o rabino. "Essa é a maior prova de que eu ainda preciso ficar aqui!". Eu me identifico bastante com essa regra, mas costumava enunciá-la de uma maneira um pouco diferente: entre dois caminhos, escolha o mais difícil, porque nele você pode ter certeza que está crescendo. Quando as coisas estão fáceis demais é porque estamos descendo

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Abrir a casa

Como as coisas são mais simples do que a gente imagina. Para quem pensa que cumprir mitzvót é algo distante, difícil e de outro mundo, aqui vai uma pequena lição que ouvi da parashá do próximo shabat: Vaierá. No terceiro dia após sua circuncisão, Avraham está se recuperando do dia pós-brit mais difícil na sua tenda, quando recebe uma visita de ninguém menos que D'us. Mas mesmo assim, Avraham decide sair da tenda, levantar suas 4 paredes em busca de hóspedes. Três anjos que passavam por perto, obviamente não por acaso, são convidados a entrar. Lá dentro, Avraham lhes serve bem com tudo que um viajante necessita (quem já ficou meses fora de casa entende bem): comida, bebida e uma boa cama. Isso sem falar em uma boa companhia.

Como se não bastassem as inúmeras fontes da literatura judaica que enfatizam a importância do assunto, Avraham nos ensina mais uma lição. Pare pra pensar no quanto é importante a mistvá de receber visitas (hachnassát orchim). Mesmo nas piores condições físicas é melhor deixar de lado a presença divina (que fazia bem ao próprio Avraham) para realizar a vontade divina aqui na Terra (proporcionar a bondade aos outros). Não estamos tratando de estudar conceitos não tão aplicáveis hoje em dia, assuntos complexos, ou qualquer outra ação que depende de muitos ítens na formação cultural de uma pessoa. Basta abrir o coração e as portas de casa. As simple as that.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cuidado com o MP3

Ontem foi lançada uma nova campanha com o objetivo de preservar a capacidade auditiva. O assunto tem se tornado preocupante desde os últimos anos: cada vez mais tem sido possível escutar mais músicas, durante mais tempo, e em volumes mais altos. Colocar centenas de músicas e CDs em aparelhos MP3 com autonomias de mais 5 de horas torna muito mais difícil tirar os fones do ouvido. Tudo isso aliado a um volume alto e aos pequenos fones intra-auriculares vira um grande fator de risco para perdas auditivas irreversíveis – aí não dá mais pra voltar atrás.

No site da campanha é possível ver algumas explicações, vídeos, e curiosidades, como comparações entre os 120 decibéis que um MP3 player pode atingir, os 110 Db de uma serra elétrica e os 105 Db que uma furadeira produz. Em termos mais práticos, o recomendado pela campanha é que não se passe da metade do volume máximo que o aparelho pode chegar, nem que as pessoas ao redor escutem o som. Alguns estudos acreditam que se não forem tomados os devidos cuidados, a geração iPod pode chegar a ouvir muito mal na casa dos 30 anos - muito antes de ganhar cabelos brancos.
Eu sempre tento avisar as pessoas pra tomarem cuidado, mesmo que me olhem com aquele olhar 'lá vem ele de novo'. Em geral, poucos me ouvem. Mas ainda assim insisto e prefiro que me ouçam agora a não ouvirem bem o que os outros falam daqui alguns anos...

domingo, 9 de novembro de 2008

Juntando os estilhaços


Exatamente 70 anos atrás. Oficiais do exército alemão saíam à paisana nas ruas do terceiro Reich com o objetivo de causar o maior dano possível a sinagogas, lojas e casas de iehudim, além de levá-los aos campos de concentração. Após algumas horas, o resultado já era assustador. Me sinto mal em escrevê-los aqui simplesmente como números: não é possível estimar o valor interminável de um iehudi, de um beit haknesset, de uma família unida. Em somente uma noite, 92 iehudim foram assassinados, 200 sinagogas foram queimadas, 25.000 iehudim foram presos e levados aos campos, e centenas de lojas e casas foram saqueadas. Os estilhaços dos vidros desses estabelecimentos deu origem ao nome desta famosa data, a Kristallnacht (a noite dos cristais).

No mesmo dia 9 de Novembro, foi inaugurado um novo beit hanesset em São Paulo. As mesmas letras dos rolos da Torá que queimavam há 70 anos estão presentes nos novos sifrei Torá com que a sinagoga foi presenteada. O mesmo fogo que consumia tudo naquela terrível noite, hoje mantem mais uma chama do judaísmo acessa, iluminando a comunidade. Enquanto vidas eram levadas para os céus, hoje muita vida foi trazida diretamente dos céus para a Terra enquanto se dançava com a Torá  e com outros iehudim na comemoração. Com muita paciência, estamos juntando os cristais quebrados por aqueles que nos desejam a morte, celebrando a vida acima de tudo e construindo assim encantadores vitrais. Pessoas de vários lugares da comunidade, rabinos de diversas sinagogas estavam unidos por uma mesma alegria: a de manter a continuidade do nosso povo esteja ele onde estiver. Mazal Tov!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Prefiro ser essa metamorfose ambulante

Até parece de propósito. Quando o segundo semestre está chegando ao fim no Brasil, nós começamos o primeiro semestre aqui em Israel (ou igual eles chamam aqui, o semestre do inverno de 5769. Acho que foi uma das poucas vezes que notei o calendário judaico sendo usado entre não-religiosos aqui em Israel).

Essa semana me mudei de Yerushalaim para Haifa (ou Cheifa, como descobri que os israelenses chamam a cidade). Dois mundos bem diferentes entre si. É verdade, as duas cidades ficam em montanhas. Mas as semelhanças param por ai. Uma fica no meio das montanhas de Yehudá e a outra tem vista pro mar (e que vista!). Uma é a cidade das pedras e a outra, das árvores. Uma é o umbigo espiritual do mundo, a outra o umbigo industrial de Israel. Pra realçar um pouco mais o contraste, saí do ambiente de uma yeshivá para o ambiente de uma universidade.



No meio de todas essas mudanças me deparo com a parashá das mudanças: Lech Lecha! O Netziv de Volozhin tem uma idéia muito bonita: ele explica que conforme Avraham conseguia superar os desafios que surgiam, adquiria habilidades que iam ficando incrustadas em sua identidade. Cada um desses desafios era um brit, um pacto. Um pacto que D’us reafirmou varias vezes com Avraham. Uma demonstração, e ao mesmo tempo, uma evolução no vinculo entre ambos, que ficava cada vez mais intenso.



Um pacto é uma interação entre D’us e um homem, onde alguma característica é modificada ou acrescentada ao homem. Pois bem, cada desafio pelo qual Avraham passou modificou sua essência e lhe acrescentou novas qualidades. O Netziv desenvolve essa idéia e explica que todas essas qualidades adquiridas foram transmitidas aos filhos de Avraham: a Bnei Israel, e que as forcas extraordinárias que nosso povo demonstra para construir e se reerguer frente às situações mais difíceis, vem desses desafios que Avraham superou. A primeira delas foi sua mudança de Charan para Eretz Cnaan. "Lech lecha meartzecha" - Sai da sua terra.



Mudanças, não importa de que tipo sejam, são eventos traumáticos. Pode ser uma mudança de uma cidade para a outra (ou de um país para outro), pode ser uma mudança de um curso para o outro, ou ainda, a mudança de um estilo de vida para outro. Não importa qual seja a mudança, ela sempre irá envolver a quebra de um referencial. Avraham adquire uma habilidade de sempre encontrar um referencial absoluto, que era válido para todas as circunstâncias (assim como a velocidade da luz...). Avraham desenvolveu uma fé completa em D’us que lhe permitia encarar qualquer situação ou cenário como se fosse apenas uma pequena variacao de um mesmo jogo.



Incrivelmente, quando acordei hoje de manha, aqui em Cheifa (a uns bons 120 km de Yerushalaim e uns 6 mil km da cidade da garoa) fui pro Beit HaKnesset que existe aqui no campus e encontrei o mesmo minian com a mesma tefilá, e os mesmo sidurim que eu via no Brasil ou em Yerushalaim. Um baita de um referencial. Alias, o Beit HaKnesset daqui é lindo, e é o primeiro que eu conheço onde a pia pra lavar as mãos dos cohanim é ativada por um pedal no chão. Uma sinagoga em uma universidade de engenheiros precisava ter alguma inovação, né?

terça-feira, 4 de novembro de 2008

In us God trusts

No último shabat passamos pela parashá de Noach. Acredito que seu conteúdo vai além dos fatos históricos nela contidos. Algumas coisas me chamaram a atenção e vêm ressaltar algo que poucas pessoas notam no judaísmo: a confiança de D'us na humanidade.

Na geração de Noach "os pensamentos das pessoas eram somente maldade". Dizem nossos sábios que não havia limites para as ações de ódio, indiferença e desrespeito ao próximo. Cometiam erros no plano físico. A outra geração que é descrita é a da torre de Babel - conhecida também como dor Haflagá. Em uma atitude de arrogância e ousadia, queriam chegar até os céus para se sentirem, como se fosse possível, como D'us. Cometiam erros no plano metafísico. As ações dessas gerações, juntas, vão contra Seus mandamentos (falta de temor/amor à D'us) e contra fazer o bem às outras pessoas (falta de amor ao próximo). Por duas vezes D'us teve todos melhores motivos para desistir da sua criação máxima, a humanidade.

Mas mesmo assim, com tanta maldade, Ele segue agindo com bondade e ainda acredita no poder que as pessoas têm de fazer o bem. Isso não ocorreu somente após aquelas gerações: ocorre a cada momento em que o mundo se mantém, a cada respiração, a cada nascer do sol. No judaísmo, tão importante quanto a gente acreditar Nele é ter noção da grandeza de Ele acreditar em cada um de nós. Quem sabe assim a gente não deixe passar em branco as oportunidades de agir corretamente, fazendo a diferença em cada instante.