domingo, 28 de junho de 2009

Desinvertendo o invertido

Imagine que você nunca tivesse visto uma camiseta. Esse pedaço de tecido em um formato que se encaixa no corpo lhe seria uma novidade. Certo dia, uma pessoa resolve lhe apresentar essa façanha do mundo têxtil, mas com um pequeno erro: ela traz a camiseta invertida. Você, que não entende do assunto, certamente concordaria que a etiqueta para fora, as costuras aparecendo, e a estampa para dentro são coisas normais, e não hesitaria em dizer que todas camisetas do mundo devem ser assim.


A literatura judaica nos conta a história do filho de um grande sábio que fez uma visita aos céus, mas voltou e continuou vivendo normalmente. O pai, surpreso com o que aconteceu, pergunta: "Filho, o que você viu?", e o mais recente terráqueo responde: "Pai, vi um mundo completamente invertido. Os que aqui estão por cima, lá estão por baixo; e os que aqui estão por baixo lá estão por cima". O pai lhe devolve: "Filho, você não viu nada invertido. Esse é o mundo claro. Nós que vivemos em mundo invertido".


Desde que nascemos, estamos acostumados com a realidade do nosso mundo - achando que ela é normal. O que mais vale é o físico ao invés do que ultrapassa os limites físicos. Grandes quantidades de dinheiro são mais desejadas do que um bom relacionamento entre as pessoas, chegando até o ponto onde uns passam o pé nos outros para atingir alvos mais "elevados" - mas que de elevados não tem nada. Uma boa comida, mesmo que faça mal à saúde, deixa de ser evitada simplesmente por causa de transmissões nervosas responsáveis por prazeres passageiros. Corpos são capazes de seduzir amigos, pais ou mães e destruir amizades ou toda uma estrutura familiar. Quando dizemos que o mundo aqui embaixo está invertido, não é simplesmente um clichê ou um modo de expressar indignação. Muitas pessoas se deixam levar pelas aparências ao invés de essências, pelo exterior ao invés do interior, trocando os valores que deveriam guiar suas vidas.


A Torá nos ensina o que na verdade é superior e o que é inferior, o que é relevante e o que é e irrelevante, além do mais importante: como trabalhar nossas características e assim nos acostumar à realidade. Nosso papel no mundo é desfazer essa inversão, seguindo os moldes que recebemos de geração em geração, e somente assim conseguir mostrar às pessoas o que realmente é relevante e "conta pontos". Quem sabe, assim, chegará o dia em que o mundo aqui embaixo será idêntico ao mundo lá em cima. Quem sabe, assim, chegará o dia em que as pessoas entenderão que as costuras das camisetas devem ficar para dentro.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Quem mente melhor?

Na parashá dessa semana Moshe manda os doze espiões verem como está a situação de Israel, a pedido de D'us. É famoso o pecado que eles cometeram: falaram mal da terra, e por isso o povo recebeu o castigo de ficar 40 anos no deserto. No entanto, uma coisa chama muito a atenção de quem lê o trecho. Eles começam falando que estiveram na "terra que jorra leite e mel". E isso não tem nada de errado, afinal de contas, essa é a promessa de D'us para nós até os dias de hoje, mesmo em tempos de crise econômica mundial.

Os espiões começaram todo seu pecado, a grande mentira, com uma grande verdade. Nosso sábios comentam, no local, que para uma mentira ter credibilidade ela deve ter sua parte de verdade. Contar uma história absurda e fora dos padrões da realidade é pedir para não acreditarem nela. O melhor mentiroso não é aquele que conta uma grande mentira - mas sim aquele que consegue aproximá-la da verdade.

O mesmo vale para as outras religiões. Se baseiam completamente em Torat Emet - a Torá da verdade - mas alteram detalhes essenciais, como a unidade divina. Fato que isso é bem aceito é comprovado pelo número de seguidores que existem pelo mundo inteiro. Afinal de contas, a parte verdadeira que elas possuem - a Torá que recebemos no Har Sinai - acaba atraindo muita gente. Mas não é por isso que elas sejam completamente verdadeiras - 99% de verdade é igual a 100% de mentira.

Relações interpessoais que não são preenchidas por transparência e verdade jamais podem durar para sempre. Como dito na Ética dos Pais, uma das bases do mundo é a verdade. Se queremos um mundo melhor, devemos adicionar em nossas vidas os ingredientes que proporcionam sua construção, e não sua destruição. Um dos ideais de um judeu deve ser se assemelhar a D'us. Devemos aprender com Suaas características. Assim como Ele criou o mundo, e é Verdadeiro, devemos ser verdadeiros e continuar Sua criação, sustentando o mundo com verdade.

(na mesma linha de raciocínio, leia nosso post Podar a Árvore)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Cuidado no Alerta

Uma das coisas que mais incomoda quem deseja agir corretamente é observar alguém próximo fazendo um determinado erro constantemente. No entanto, muitos se questionam qual o direito que possuem de intervir na vida alheia, e não se sentem confortáveis em conversar com o amigo e adverti-lo. Aos olhos da Torá, qual seria a ação correta? Devemos nos sentir livres de avisar nossos amigos caso eles não estejam no caminho mais adequado, devido ao medo de não se intrometer na vida de alguém, ou será que somos obrigados a (pelo menos tentar) mudar a situação? Vire as páginas, vire as páginas, porque tudo está Nela - na Torá. No livro de Vaikra encontramos que há uma mitsvá de advertir o próximo: “Hocheach tochiach et amitecha” - não só temos o direito, como também o dever. Além disso, na Ética dos Pais está dito: "e adquira um amigo". Nossos sábios explicam que a importancia de se ter um amigo por perto se deve ao fato de um não se sentir atraído pelo ietser hara e assim conseguir enxergar melhor a essência do erro que o outro estaria prestes a cometer, alertando-o antes que fosse tarde.
Até ai, muitos sabem que devem advertir, mas não sabem como fazê-lo. Mesmo com a intenção boa, acabam agindo da maneira errada – e as conseqüências podem ser piores do que a indiferença.
D’us nos dá o mandamento de amar o próximo. Não é por acaso que isso aparece exatamente no versículo seguinte ao que nos ensina sobre a advertência. Daqui tiramos a primeira lição. Assim como D’us quer o bem de todas suas criaturas, porque Ele ama a cada um e um, nós devemos ser também. Deve ficar claro, tanto para quem fala quanto para quem ouve, que a força motora dessa conversa deve ser a mais pura possível: o amor. Todo o approach e a maneira de se passar a mensagem devem ser feitos o mais carinhosa possível.
Mas muitos ainda assim não se sentem bem, alegando que o certo é relativo. Perguntam a si mesmos: "desde quando somos os donos da verdade?". Desde que recebemos a Torá. Com ela, temos certeza do que é certo errado, aos olhos Daquele que criou o certo e o errado. Qualquer advertencia deve ser feita livre de interesses pessoais, com base no certo absoluto - e não relativo.
Por fim, mais uma lição: da nossa lashon hakodesh. É sabido que todas as palavras do hebraico possuem seus sentido ligado a sua raiz gramatical. O verbo advertir, lehochiach, também significa comprovar. Não podemos falar de advertencia sem lembrar que devemos mostrar para a pessoa o motivo dela estar errada. Advertir alguém por um erro que ela sequer não sabe ou não tem noção da gravidade é querer ensinar a atirar no escuro.
Que com se apoiando na base da Torá - o amor- possamos iluminar aqueles que estão a nossa volta, além de obviamente saber aceitar críticas construtivas da maneira adequada. Só assim poderemos ter um mundo mais correto, mais justo, e principalmente com o objetivo de toda a criação: o amor entre as pessoas.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Mais vale um na mão

Certamente você já se deparou em alguma situação em que gostaria de poder escolher, entre duas opções, as duas. Viagens, projetos, decisões, faculdade, e por aí vai.

No Talmud, dois grandes rabinos discutem sobre o dia da leitura da meguilá: isso deveria seguir duas conduções básicas. No entanto, em certo caso, devido a uma combinação de fatores, somente uma das regras poderia ser seguida. O que acontece no final é que cada um escolhe uma data, baseado em uma regra - e cada um decide algo diferente do outro. Quando um questiona o outro o porque da decisão, ambos dizem: não teve outro jeito de fazer! E sobre opiniões contrárias, nossos sábios dizem que ambas são verdadeiras, mesmo que opostas.

Às vezes, queremos abraçar o mundo todo. Escolher o máximo de coisas possíveis. Fazer o bem a muita gente. Mas nem sempre as condições permitem, nos forçando a abrir mão de alguma coisa. Escolhemos. Começam então as dúvidas e os questionamentos sobre como teria sido escolher o outro lado da bifurcação. É aí que devemos lembrar da frase de nossos sábios: ambos caminhos são bons, verdadeiros, e no fim das contas, qualquer um dos caminhos escolhido representa Sua vontade: o bem de cada um de nós.

Por isso, quem deseja pouco as vezes alcança mais do que quem deseja muito.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Helenização? Não, obrigado

Em um país como o Brasil, é interessante ver quanta gente diferente convive junto. No meio universitário, isso é reforçado pelo número considerável de alunos de pós-graduação que saem de seus países ou por alunos de intercâmbio. Ontem tive a oportunidade de conversar com uma professora, que me explicou o motivo de seu sobrenome um tanto diferente: seu pai é de origem grega. Até ai, tudo bem.
Papo vai, papo vem, ela conta que já esteve em Israel. Até ai, tudo bem. Afinal de contas, não são raros congressos mundiais em Israel (isso sem falar nas universidades de ponta que existem por lá). Quando perguntei quais cidades ela visitou, logo disse: Holon, Hevron, além das óbvias Jerusalém e Tel Aviv, entre outras. Origem grega?
Sim. O problema é que só seu pai. Sua mãe é judia, e portanto, ela também. Ao perguntar se ela sabia que era judia, ouvi um "já ouvi dizer por ai" bem despreocupado. Quantas pessoas, assim como ela, devem existir só aqui no Brasil, que são iehudim e não sabem? Quanto disperdício. Possuímos uma das mais antigas culturas do mundo, temos o copyright do livro mais vendido no mundo, e muitos por ai nem dão valor. Não consigo imaginar o número de iehudim que sabem e não dão valor, e muito menos imaginar outro número, maior ainda: o de iehudim que nem sabem de sua essência. Tanta dor não entra na minha cabeça.
O que sim está na minha cabeça é a resposta para isso: enquanto não estivermos todos em Erets Israel, e ("e", não ou) seguindo nossos princípios milenares, estaremos sujeitos a ver a próxima geração com sobrenomes um tanto diferentes.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Lag Baomer: mais de vinte séculos, lições atuais

Hoje é Lag Baomer, o trigésimo terceiro dia da contagem entre Pessach e shavuot. Foi no mesmo dia que hoje que pararam de morrer, há quase dois mil anos, os alunos de Rabi Akiva pela falta de respeito um com o outro. É hoje também o aniversário de morte de Rabi Shimon Bar Iochai (um dos 5 alunos que sobraram de Rabi Akiva após a peste). Ele foi o autor do livro base da tão comercialmente explorada kabalá, e quis que seu aniversário de morte fosse comemorado com muita alegria.

Um dos símbolos que representa este dia é o arco e flecha. A explicação para isso é que na época de Rabi Shimon Bar Iochai os judeus eram proibidos de estudar Toraá Como é impossível um judeu se desligar da Torá, eles A estudavam escondidos. Quando os guardas do imperador vinham ver o que estavam fazendo, sacavam cada um seu arco e flecha e fingiam estar treinando.
Mas o arco e flecha não nos passa somente a mensagem da resistência espiritual (e hoje em dia, da liberdade e da vitória do povo judeu sobre aqueles que tentaram destruí-lo). Ele transforma toda a energia potencial em movimento. Quanto mais pra trás a flecha vai, maior é a distância que ela alcança. Quanto mais esticada a corda, mais energia armazenada.

O mesmo vale para cada um de nós. Quanto mais afastada do judaísmo uma pessoa é, maior é seu mérito ao cumprir qualquer mandamento, e maior é sua recompensa. Nós vivemos distantes de Israel, no "fim do mundo à esquerda" do judaísmo, e convivemos com tantas outras culturas. Cada pequena mitzvá cumprida, justamente por ser mais difícil e suada, é muito mais considerada, e suas consequências, físicas ou não, conseguem chegar muito mais longe.
Dessa maneira, o arco e flecha também simboliza esperança. O judaísmo não vê o sofrimento/dificuldades de forma negativa: D'us faz tudo para o bem, com o objetivo de transformar a pessoa, buscando um crescimento pessoal (leia "Eu quero! Eu quero!"). Que quando 'nossas cordas estiverem esticadas', olhemos um pouco para o futuro, imaginando a flecha indo bem longe, e assim recebendo mesmo as dificuldades com amor a D'us.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Aficoman

Sem dúvida o Seder de Pessach é uma das maiores criações pedagógicas judaicas. Uma aula interativa que se vale de todos os recursos sensoriais e psicológicos para incutir o sentimento da redenção dos judeus do Egito nas novas gerações
Portanto existem no Seder vários pequenos detalhes que podem passar desapercebidos por um observador desatento. Um deles é o Iachatz.
Na frente do condutor do seder existe uma Keará (bandeja) sobre a qual, entre outras coisas, se encontram 3 matzot. Após comermos o Karpas (a batata ou o salsão mergulhado na água com sal), o condutor do seder agarra a Matzá central e a parte na metade, e esconde metade dela para o Aficoman (que é procurado pelas crianças no fim do Seder).
Esse costume enigmático representa mentalidade de escravos com a qual iniciamos o Seder. Ao vermos um pouco de comida na nossa frente, guardamos metade para amanhã. Quem pode ter certeza se amanhã teremos mais? Somos como refugiados de guerra que temem pelo futuro incerto.
Porém quando chegamos ao fim do Seder, após termos lido a Hagadá e jantado, passamos por uma transformação. Agora não somos mais escravos: somos homens livres. Agora não tememos pelo amanhã: nós confiamos plenamente que o mesmo D-us que nos tirou do Egito irá nos garantir a janta de amanhã.
Portanto, quando chegamos ao fim do Seder, mandamos as crianças buscarem o Aficoman, e o comemos sem pensar duas vezes. Aliás, de acordo com a Lei Judaica o Aficoman precisa ser comido antes da meia noite. É proibido manter a “cabeça de escravo” por tempo demais.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

[livros] - Desvendando o Homem

Foi lançado, essa semana, o livro Desevendando o Homem. O autor, Rabino Samy Pinto, explora o pensamento do Maharal de Praga sobre a educação. Entre outros assuntos abordados, é dada ênfase ao amor necessário à educação de cada indivíduo, antes de se pensar na educação de uma comunidade inteira.
No evento estavam presentes, entre líderes da comunidade, o educador e vereador mais votado das últimas eleições, Gabriel Chalita (vale a pena ler seus textos), e um professor da Universidade Bar Ilan (Israel). Rabino Samy Pinto possui bacharelado em Economia pela Faculdade de Ciências Econômicas do Rio de Janeiro, é especialista em educação pela Universidade Bar Ilan, e pH.D. em Letras Orientais pela USP.
O livro pode ser comprado na Livraria Sefer. Transcrevo aqui a contra-capa do livro, escrita por Gabriel Chalita.
"O livro do Rabino Samy Pinto é uma obra-prima, uma reflexão cuidadosa sobre a complexidade do sistema educacional e a sua relação com a essencialidade humana: a felicidade. A felicidade humana é a nossa maior vocação. Sua definição é simples e, paradoxalmente, complexa. Ser feliz é ter virtudes. É amar ao outro e a si próprio. A felicidade contempla o bem e nos faz ser bons. Ilumina com sabedoria e nos faz conviver, compartilhar a vida harmoniosamente com outros seres humanos. A sabedoria nos ensina a moderação e a compreensão. Moderamos os nossos apetites e compreendemos o outro, que não é o resultado de nossas projeções, mas é sujeito de sua própria história. Essa felicidade nos leva a viver em paz. Paz interior e paz social.
E é esse o nosso sonho. Transformar a nossa vida num serviço, superando vícios e construindo virtudes. A ética, caminho único para a felicidade, segundo Aristóteles, nos conduz por essas sendas. A riqueza do meio termo, do equilíbrio, do respeito na edificação de um mundo mais harmonioso.
E a educação é o melhor caminho para que a potência humana se concretize em ato. Tudo vem dos bons hábitos semeados durante a infância e a adolescência. Daí a importância crucial da educação como agente de transformação e elevação do ser humano. A reforma educativa judaica proposta pelo Rabino Maharal nasceu das inquietações desse filósofo da educação que, observador crítico do sistema educacional ashkenazita da época, ansiava por uma pedagogia transformadora, humanizadora e intelectualista. A educação sempre foi objeto de investigação de homens iluminados. São os entusiastas. Entusiastas como Maharal, entusiastas como Samy Pinto, que nos presenteia com este brilhante trabalho sobre a trajetória de um educador que preconizava que as "boas raízes jamais permitirão que árvores caiam e que seus frutos deixem de alimentar a sociedade". O Rabino Samy Pinto é a prova disso. Consegue unir densidade acadêmica, discurso e prática a serviço do outro, do seu encontro com a vocação primeira, ou seja, a felicidade plena."

domingo, 29 de março de 2009

Mais de 1000 dias no cativeiro


Semana passada e essa semana houve uma grande decepção em Israel. Todos acreditavam que o Guilad Shalit (sequestrado pelos terroristas palestinos há quase 3 anos) iria voltar para casa. As negociações com o Hamas (através de um intermediador egípcio, no Cairo) duraram várias semanas mas terminaram no nada. Os palestinos subiram as suas exigências até um ponto que Israel não estava disposto a pagar.

Passei por uma tempestade: entre a razão e a emoção. A dor e a tristeza que causam o cativeiro de um irmão é difícil de ser medida. Com certeza o Hamas não se preocupa em tratar do Guilad de acordo com as convenções internacionais, e só D-us sabe como eu ficaria feliz de vê-lo voltar para casa. Porém a minha razão fez festa.

A decisão de sentar para negociar com o Hamas foi errada desde a raiz, assim como também foi a negociação que fizemos com o Hezbolá há alguns meses (quando recebemos os cadáveres dos dois soldados que perdemos no início da guerra do Líbano: Ehud Goldwasser e Eldad Reguev). Qualquer negociação om grupos terroristas tem consequências desastrosas.

A Mishná define uma regra clara. Apesar de que resgatar judeus cativos nas mãos de goim é a mitzvá mais importante da Torá, existe uma proibição de resgatá-los por um preço maior do que o seu valor de mercado (a Mishná se refere a uma época na qual cativos de guerra eram vendidos como escravos). O motivo: Tikun Haolam (o conserto do mundo).

A Mishná vem nos ensinar que apesar da dor que existe no cativeiro de um judeu somos proibidos de permitir que ela cale a nossa razão. Caso paguemos preços extorsivos e provemos que o sequestro de judeus é lucrativo e rentável, viramos vítimas de extorsões. Caso cedamos às exigências do Hamas, teremos uma epidemia de sequestros de soldados. Baseando-se nisso, muitos defendem que é necessário manter o princípio da proporcionalidade. Um soldado por um prisioneiro (e não 1 por 400 conforme os Hamas exige) e vivos por vivos (e não prisioneiros vivos por cadáveres igual fizemos com o Hezbolá no ano passado).

Porém acredito que nas circunstâncias atuais é proibido até mesmo uma negociação proporcional. Porque não se trata de uma comunidade judaica no meio da diáspora que não tem opção fora a pagar o resgate (que é o caso descrito pela Mishná). Aqui se trata de um país que dispõe de uma infinidade de meios de lidar com os palestinos. Nesse caso responder proporcionalmente é ceder a chantagem.

Israel não pode sentar para negociar com uma organização que lhe nega o direio de existência. Isso não é proporcional; não é simétrico. Israel pode cortar o suprimento de petróleo, eletricidade, bens humanitários, e água para pressionar o Hamas. Israel pode prender toda a cúpula do Hamas igual já fez em algumas ocasiões e trocá-la pelo Guilad. Israel não pode permitir ser pressionado; Israel deve pressionar. Por isso critico a açào da mídia e de todos aqueles que organizaram passeatas e manifestações pressionando o governo israelense a ceder nas negociações com o Hamas. Eu também quero o Guilad de volta, mas o slogan que foi bramido em Israel “a qualquer custo” é criancice.

Aliás, deixando todas as considerações de chantagens políticas de lado, a mais simples aritmética condena a liberação de terroristas. Já foram mortos mais de 1500 judeus por prisioneiros árabes que foram libertados por Israel devido a negociações ou como demonstração de boa vontade. Atualmente os jornais focam a família do Guilad e a sua dor. Só que eles não focam a dor de 1500 famílias que perderam os filhos devido a esse tipo de acordo. Queira D-us iluminar os nossos líderes para que não cedam a pressões (internas e externas) e tragam os cativos de volta para que possamos cantar com eles no seder de Pessach “avadim hainu... ata bnei chorin” - fomos escravos... agora, homens livres.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Just do it

Ninguém gosta de ouvir promessas que não se cumprem. Certamente você já reencontrou com aquele amigo de infância e depois dos caloroso cumprimentos e de se lembrar de velhas histórias, combinaram de sair. No final, deve ter escutado um "vamos sair, mesmo!" ou um "pode deixar que eu te ligo!". Passa o tempo, vocês se encontram novamente em alguma festa e se lembram que o combinado não saiu de suas mentes...
Já estávamos 4 shabatot falando sobre a construcao do mishkan. Nas parashiot anteriores, D'us passa para Moshe todos os detalhes da magnífica obra. Na parasha de pekudê, lemos que Moshe e Am Israel fizeram de acordo com o ordenado por D'us. No entanto, ao invés de economizar parágrafos e capítulos, falando simplesmente "e Moshe fez de acordo com o ordenado", todos os detalhes são repetidos: roupas dos cohanim, cortinas, paredes, os ganchos para estender sobre as cortinas, e os utensílios, entre outras coisas. Tim tim por tim tim, novamente.
Se planejar algo e colocar em prática fosse a mesma coisa, não haveria necessidade de repetir cada vírgula da construção do mishkan. Isso vem nos mostrar que, pelo judaísmo, a teoria e a prática são coisas completamente distintas. Apesar de serem extremamente ligados e dependentes, o momento do planejamento teórico é um, e o da execução é outro. Cada um tem seu valor independente, e por isso, no judaísmo, mesmo que não se entenda algum conceito ou alguma mitsvá perfeitamente, ganhamos sua recompensa somente por realizá-la. É sabido também que todo o objetivo final de estudar Torá é trazê-la ao mundo físico, e transormá-lo, através de mudanças e ações, seja no relacionamento com si mesmo, com os outros ou com D'us.
Aqueles que fazem mais do que falam estão no caminho certo. Como dito em Pirkei Avót (Ética dos Pais), "Emor meat, vaasse harbe" - fale pouco e faça muito.

terça-feira, 24 de março de 2009

Livros ambulantes

Me canso de algumas coisas no meio acadêmico. Apesar de ter contato com professores super simpáticos, não aguento mais ver aqueles pH.D's que sabem muito sobre suas áreas de pesquisa, mas sequer sabem se relacionar com seus alunos. Publicam vários artigos por ano, mas não sabem agradecer os faxineiros que possibilitam a limpeza em seus laboratórios; dão palestras em mega congressos, mas se esquecem que cada um que está lá o admira; trabalham com genes, proteínas, números e exames, mas esquecem que tratam de pacientes.
Na última semana, lemos sobre a construção do mishkan. D'us ordena a Moshe que aqueles que deveriam construí-lo fossem chacham lev - inteligentes do coração. A princípio, muito contraditório. A inteligência é representada pelo cérebro, enquanto que o coração representa os sentimentos. Aparentemente, uma coisa nada tem a ver com a outra, já que para transformar a materia prima no produto final, para construir algo físico, somente o conhecimento técnico é necessário.
No entanto, a própria história do nosso povo nos mostra que o conhecimento não é somente uma coleção de ideias e conteúdo. Como realizadores do holocausto, engenheiros civis construíram câmaras de gás e crematórios, químicos desenvolveram o gás zyklon B, conhecedores de conceitos médicos (que jamais podem ser considerados médicos) faziam experimentos (?!) com seres humanos. Eu poderia dizer que todo o conhecimento que eles possuíam foi jogado fora, desperdiçado, mas isso seria um erro. Pior do que desperdiçar um recurso é utilizá-lo para um fim indevido.Até o momento em que alguém inteligente a utiliza para fazer o bem, de nada vale seu conhecimento. Afinal de contas, no campo prático, o inteligente que não faz o certo e o bobo que também não faz o certo, estão na mesma. Um burro de carga que carrega uma pilha de livros em suas costas continua sendo um burro de carga.
Cada chacham lev foi escolhido porque sabia conciliar seu conhecimento ao comportamento e às relações humanas. D'us não queria de forma alguma que sua morada fosse construída por pessoas que, por mais que fossem geniais e fizessem o trabalho da melhor maneira possível, não soubessem se relacionar uns com os outros. Devemos aprender com eles e proceder da mesma maneira. Devemos fazer com que a distância de 20 cm entre o coração e o cérebro se torne menor ainda.

segunda-feira, 16 de março de 2009

A grande mistura

Para uma pessoa religiosa, eu diria que eu sou uma pessoa que mantém bastante contato e troca ideias com pessoas não tão próximas do judaísmo. Vira e mexe, escuto um forte questionamento: por que há tanta divisão entre os religiosos, e mais ainda, entre eles e o não religiosos? Será que isso é certo?
A parashá que lemos anteontem conta alguns detalhes do mishkan, entre eles o ktoret (incenso) que era queimado todo dia. No total, 11 ervas compunham sua receita: dez delas com aromas agradáveis, e uma delas com um cheiro não tão gostoso. Não seria estranho, num lugar de tanta beleza (como comentamos aqui), no lugar onde a schiná (presença divina) estava presente (!), colocar uma essência assim?
Nossos sábios comentam no Talmud que isso era um exemplo perfeito de como deveria ser o comportamento do povo. Mesmo com todas as diferenças entre pessoas com estilos de vida variados (e até opostos), todas devem estar juntas, com o mesmo objetivo: assim como os ingredientes do ktoret estavam. E nem por isso a essência excêntrica era deixada de lado. Hoje em dia, vale o mesmo. Pessoas não tão próximas da Torá, religiosos, pessoas que pensam diferente, desconfiados, pessoas com dúvidas e questionamentos: todos devem estar juntos e lembrar que pertencem à mesma raiz.
No entanto, não digo que esse contato deve ser feito de qualquer jeito: a identidade judaica estar firme o suficiente (e aí por sua conta e risco) para uma interação saudável. Conheço pessoas que saíram de repente da "bolha" e acabaram se perdendo. Mas se você vir uma pessoa que se diz religiosa e possui um tratamento pejorativo com aqueles que não se dizem religiosos, questione seu comportamento se baseando no ktoret, e veja se ele possui uma resposta válida.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Direção certa

Como diria a estrela do samba rock, Seu Jorge, "está na luta, no corre corre, no dia-a-dia". De fato, a rotina puxada às vezes nos garante somente poucos momentos livres - e fica difícil não querer descansar nesses intervalos. Por isso uma leve diminuição na frequência com que os posts são colocados, e mais do que isso, as ideias da semana passada ficaram para depois - e o depois é agora.
A parashá da semana passada, terumá, gastou boa parte de seu conteúdo explicando as roupas que o Cohen HaGadol usava. Sua proximidade com o trecho que explica alguns korbanot (sacrifícios) faz nosso sábios concluírem que, da mesma maneira que os korbanot limpavam alguns pecados de Am Israel, assim também as roupas especiais o faziam: o ktonet (um tipo de avental) "limpava" eventuais assassinatos, o michnassaim (um tipo de calça capri) garantia o perdão por relações proibidas, os acessórios usados na cabeça perdoavam aqueles que eram metidos e arrogantes (com o ego lá em cima, assim como a cabeça está lá em cima), e o meil (uma roupa azul - tchelet) trazia perdão por fofocas & cia. - a famosa Lashon Hará.

Um motivo simples para o meil trazer kapara por Lashon Hará é que ele possuía vários sinos ao seu redor. Lashon Hará é feita com o som mais comum: a voz. Os sinos, por também produzirem sons, sons sagrados ao invés de profanos (como das fofocas), nos ensinam em que sentido devemos utilizar nossos dons.

Um motivo mais filosófico é trazido pelo Maharal de Praga. A cor azul do meil é a mesma do tsitsit: ao olhar para essa cor, lembramos do mar, ao lembrar do mar nos recordamos do céu, e o céu nos lembra D'us. Não é simples: algumas etapas necessárias para chegar em um objetivo final, através da nossa imaginação. Com a Lashon Hará é a mesma coisa, porém puxando para o lado ruim: muitas vezes nos deparamos com situações, e ao julgar para o lado ruim, já imaginamos coisas. Coisas que, em muitos casos, não aconteceram em nenhum lugar fora das nossas cabeças. Mais uma vez, o meil nos ensina que todos os dons, características, e super poderes que cada um de nós tem, deve ser utilizado com o intuito de nos tornarmos pessoas cada vez mais bondosas, mais produtivas, ao invés de utilizá-las para trazer mais escuridão à nossa volta.