domingo, 28 de junho de 2009

Desinvertendo o invertido

Imagine que você nunca tivesse visto uma camiseta. Esse pedaço de tecido em um formato que se encaixa no corpo lhe seria uma novidade. Certo dia, uma pessoa resolve lhe apresentar essa façanha do mundo têxtil, mas com um pequeno erro: ela traz a camiseta invertida. Você, que não entende do assunto, certamente concordaria que a etiqueta para fora, as costuras aparecendo, e a estampa para dentro são coisas normais, e não hesitaria em dizer que todas camisetas do mundo devem ser assim.


A literatura judaica nos conta a história do filho de um grande sábio que fez uma visita aos céus, mas voltou e continuou vivendo normalmente. O pai, surpreso com o que aconteceu, pergunta: "Filho, o que você viu?", e o mais recente terráqueo responde: "Pai, vi um mundo completamente invertido. Os que aqui estão por cima, lá estão por baixo; e os que aqui estão por baixo lá estão por cima". O pai lhe devolve: "Filho, você não viu nada invertido. Esse é o mundo claro. Nós que vivemos em mundo invertido".


Desde que nascemos, estamos acostumados com a realidade do nosso mundo - achando que ela é normal. O que mais vale é o físico ao invés do que ultrapassa os limites físicos. Grandes quantidades de dinheiro são mais desejadas do que um bom relacionamento entre as pessoas, chegando até o ponto onde uns passam o pé nos outros para atingir alvos mais "elevados" - mas que de elevados não tem nada. Uma boa comida, mesmo que faça mal à saúde, deixa de ser evitada simplesmente por causa de transmissões nervosas responsáveis por prazeres passageiros. Corpos são capazes de seduzir amigos, pais ou mães e destruir amizades ou toda uma estrutura familiar. Quando dizemos que o mundo aqui embaixo está invertido, não é simplesmente um clichê ou um modo de expressar indignação. Muitas pessoas se deixam levar pelas aparências ao invés de essências, pelo exterior ao invés do interior, trocando os valores que deveriam guiar suas vidas.


A Torá nos ensina o que na verdade é superior e o que é inferior, o que é relevante e o que é e irrelevante, além do mais importante: como trabalhar nossas características e assim nos acostumar à realidade. Nosso papel no mundo é desfazer essa inversão, seguindo os moldes que recebemos de geração em geração, e somente assim conseguir mostrar às pessoas o que realmente é relevante e "conta pontos". Quem sabe, assim, chegará o dia em que o mundo aqui embaixo será idêntico ao mundo lá em cima. Quem sabe, assim, chegará o dia em que as pessoas entenderão que as costuras das camisetas devem ficar para dentro.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Quem mente melhor?

Na parashá dessa semana Moshe manda os doze espiões verem como está a situação de Israel, a pedido de D'us. É famoso o pecado que eles cometeram: falaram mal da terra, e por isso o povo recebeu o castigo de ficar 40 anos no deserto. No entanto, uma coisa chama muito a atenção de quem lê o trecho. Eles começam falando que estiveram na "terra que jorra leite e mel". E isso não tem nada de errado, afinal de contas, essa é a promessa de D'us para nós até os dias de hoje, mesmo em tempos de crise econômica mundial.

Os espiões começaram todo seu pecado, a grande mentira, com uma grande verdade. Nosso sábios comentam, no local, que para uma mentira ter credibilidade ela deve ter sua parte de verdade. Contar uma história absurda e fora dos padrões da realidade é pedir para não acreditarem nela. O melhor mentiroso não é aquele que conta uma grande mentira - mas sim aquele que consegue aproximá-la da verdade.

O mesmo vale para as outras religiões. Se baseiam completamente em Torat Emet - a Torá da verdade - mas alteram detalhes essenciais, como a unidade divina. Fato que isso é bem aceito é comprovado pelo número de seguidores que existem pelo mundo inteiro. Afinal de contas, a parte verdadeira que elas possuem - a Torá que recebemos no Har Sinai - acaba atraindo muita gente. Mas não é por isso que elas sejam completamente verdadeiras - 99% de verdade é igual a 100% de mentira.

Relações interpessoais que não são preenchidas por transparência e verdade jamais podem durar para sempre. Como dito na Ética dos Pais, uma das bases do mundo é a verdade. Se queremos um mundo melhor, devemos adicionar em nossas vidas os ingredientes que proporcionam sua construção, e não sua destruição. Um dos ideais de um judeu deve ser se assemelhar a D'us. Devemos aprender com Suaas características. Assim como Ele criou o mundo, e é Verdadeiro, devemos ser verdadeiros e continuar Sua criação, sustentando o mundo com verdade.

(na mesma linha de raciocínio, leia nosso post Podar a Árvore)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Cuidado no Alerta

Uma das coisas que mais incomoda quem deseja agir corretamente é observar alguém próximo fazendo um determinado erro constantemente. No entanto, muitos se questionam qual o direito que possuem de intervir na vida alheia, e não se sentem confortáveis em conversar com o amigo e adverti-lo. Aos olhos da Torá, qual seria a ação correta? Devemos nos sentir livres de avisar nossos amigos caso eles não estejam no caminho mais adequado, devido ao medo de não se intrometer na vida de alguém, ou será que somos obrigados a (pelo menos tentar) mudar a situação? Vire as páginas, vire as páginas, porque tudo está Nela - na Torá. No livro de Vaikra encontramos que há uma mitsvá de advertir o próximo: “Hocheach tochiach et amitecha” - não só temos o direito, como também o dever. Além disso, na Ética dos Pais está dito: "e adquira um amigo". Nossos sábios explicam que a importancia de se ter um amigo por perto se deve ao fato de um não se sentir atraído pelo ietser hara e assim conseguir enxergar melhor a essência do erro que o outro estaria prestes a cometer, alertando-o antes que fosse tarde.
Até ai, muitos sabem que devem advertir, mas não sabem como fazê-lo. Mesmo com a intenção boa, acabam agindo da maneira errada – e as conseqüências podem ser piores do que a indiferença.
D’us nos dá o mandamento de amar o próximo. Não é por acaso que isso aparece exatamente no versículo seguinte ao que nos ensina sobre a advertência. Daqui tiramos a primeira lição. Assim como D’us quer o bem de todas suas criaturas, porque Ele ama a cada um e um, nós devemos ser também. Deve ficar claro, tanto para quem fala quanto para quem ouve, que a força motora dessa conversa deve ser a mais pura possível: o amor. Todo o approach e a maneira de se passar a mensagem devem ser feitos o mais carinhosa possível.
Mas muitos ainda assim não se sentem bem, alegando que o certo é relativo. Perguntam a si mesmos: "desde quando somos os donos da verdade?". Desde que recebemos a Torá. Com ela, temos certeza do que é certo errado, aos olhos Daquele que criou o certo e o errado. Qualquer advertencia deve ser feita livre de interesses pessoais, com base no certo absoluto - e não relativo.
Por fim, mais uma lição: da nossa lashon hakodesh. É sabido que todas as palavras do hebraico possuem seus sentido ligado a sua raiz gramatical. O verbo advertir, lehochiach, também significa comprovar. Não podemos falar de advertencia sem lembrar que devemos mostrar para a pessoa o motivo dela estar errada. Advertir alguém por um erro que ela sequer não sabe ou não tem noção da gravidade é querer ensinar a atirar no escuro.
Que com se apoiando na base da Torá - o amor- possamos iluminar aqueles que estão a nossa volta, além de obviamente saber aceitar críticas construtivas da maneira adequada. Só assim poderemos ter um mundo mais correto, mais justo, e principalmente com o objetivo de toda a criação: o amor entre as pessoas.